165 Conselhos de David Russell (parte 2)

Aqui está a segunda parte dos 165 Conselhos de David Russell. Você pode acessar a primeira parte clicando aqui.

2. MÚSICA

2.1. Fraseado / Acentuação
101. Regra geral: Que a mecânica dos movimentos não seja notada. Os acentos que são
impostos pela técnica muitas vezes não estão de acordo com os acentos musicais.
102. Pra estudar o fraseado é conveniente, principalmente nos casos de música contrapontística, estudar uma só voz e depois ir acrescentando as demais, que deverão soar
igualmente bem.
103. O melhor é primeiro tocarmos a peça sem acentuar nada, como se estivéssemos tocando um cravo, para só então decidir onde acentuar e experimentarmos, sem préjulgamentos, as mais variadas possibilidades.
104. Os intervalos que resultariam difíceis de entoar podem demorar-se um pouco, pois assim obtemos uma sensação de estar mais “cantabile”.
105. Ter consciência de que no contraponto é necessário dar personalidade aos temas. Buscar uma linha melódica tal que seja reconhecível mesmo quando aparecer dentro de uma complexa trama polifônica.
106. Fraseado barroco: a obra de Bach é toda ela um exercício de equilíbrio. Para obtê-lo,
podemos trabalhar em duas fases:
A – Colocar os dedos nos seus lugares.
B – Tirar os acentos restantes de cada voz, e que nos fazem pensar mais vertical que em
horizontalmente.
Quando está bem fraseado, “soa fácil”.
107. É preciso frasear as peças barrocas sem ligados, para poder conduzir livremente as frases para as suas finalidades. Após isso, verificar se ficará adequado inserir algum ligado.
108. Ao interpretar Bach, pode-se aplicar trinados ou mordentes nos momentos de tensão ou para enfatizar notas importantes.
109. Existe uma forma de acentuar sem dar mais volume: atrasando um pouco a nota. Assim fazem os cravistas.
110. Para suavizar os cortes que às vezes são inevitáveis: empregar um rápido e sutil rubato.
111. Quando temos uma melodia na voz soprano (mais aguda) que é interrompida por freqüentes trocas de posição, é preciso atrair a atenção para outra voz.
112. Quando a última saída é cortar a melodia, conduzir a frase de tal maneira que “o corte seja justificável”, ou seja, que se perceba um motivo musical para o corte.
113. Não abusar da acentuação inicial do compasso, pois especialmente no renascimento e no barroco, o sentido da frase é mais importante que o acento do início do compasso. Por exemplo: não se devem acentuar as notas que coincidam com um final de frase e que caiam no tempo forte do compasso.
114. As frases precisam ter suas respirações, como se estivéssemos tocando um instrumento de sopro.
115. Nas repetições é interessante testar uma troca de acentuação na frase. Nem sempre é satisfatório, mas às vezes uma troca sutil faz a diferença necessária.
116. Duas notas sucessivas, em cordas diferentes, não dão a sensação de “formar uma palavra”, ou seja, não contribuem com o fraseado, a não ser que se tenha uma técnica suficiente para que não se faça perceber que estão em cordas diferentes.
117. Uma frase que tenha crescendo, acelerando, ou ambos, não tem por quê ser executada sempre de forma gradual. Às vezes fica melhor mudar muito pouco no início e preservar-se para dar uma “arrancada” no final.
118. Dois segredos para o repouso no fraseado: ligeiramente rubato no acompanhamento e diminuir o volume.
119. Se tivermos uma frase formada por três partes que vão acumulando tensão, podemos tocar a primeira rubato, a segunda um pouco menos e a terceira bem precisa.

2.2. Harmonia
120. Quando a harmonia mudar, pensar numa sensação: Alegre, triste, cansativa, sedutora, etc.
121. O foco costuma estar justamente na nota que precisa de resolução (ver também #52).

2.3. Ritmo
122. Geralmente se descuida do ritmo com uma freqüência excessiva, pois quase sempre estudamos ou tocamos sozinhos. É preciso prestar muita atenção no ritmo, especialmente em passagens rápidas com acordes arpejados, onde o movimento da mão direita num só gesto repetido pode produzir “acelerandos” em cada arpejo, resultando numa movimentação rítmica ondulante, ao invés de regular.
123. Não adiantar os baixos, recurso expressivo muito freqüente. Consideremos que podem haver alguns ouvintes que sigam a linha do baixo, neste caso eles se verão surpreendidos ao encontrarem repentinamente uma nota antes do esperado.
124. Para fazer as escalas rápidas parecerem mais virtuosas, iniciar contido e acelerar até o final da escala.
125. Quando há troca de ritmos dentro de uma peça, é preciso dar-lhe uma razão de ser, fazer algo musical nos elos. Caso contrário poderá resultar um efeito parecido a quando se dá um golpe no toca-disco e a agulha salta para outra peça.
126. Tocar “rubateando” todos os arpejos (por exemplo, no primeiro movimento de “La Catedral”, de Agustín Barrios) pode dar demasiada ênfase ao acompanhamento: rubatear apenas os arpejos que estejam juntos com as notas que se quer destacar.

2.4. Algumas notas a respeito de aspectos de forma e estilo.

127. É conveniente sermos cuidadosos com a fórmula de compasso em que está escrita a peça. Como exemplo, geralmente uma Allemande se escreve em 2 por 4, não em 4 por 4, então ao interpretá-la, temos que pensarem binário, não em quaternário.
128. A interpretação das Sarabandas costuma ficar mais interessante quando acentuamos o segundo tempo.
129. Uma suíte para alaúde que está em mi bemol se transpõe para o violão ao tom de ré, e com a sexta corda em ré. Mas pode se tocar no tom original (mi bemol) apenas colocando uma pestana na primeira casa.
130. Cuidado com os tempos ternários do romantismo. A típica valsa vienense, que influencia grande parte do nosso repertório desta época, tem o terceiro tempo acentuado, em vez do primeiro.
131. As “variações” não precisam soar como se fossem um conjunto de peças minúsculas que reiteram o mesmo esquema. É preciso integrá-las, pois é o conjunto que temos que comunicar como mensagem musical.
132. Os silêncios entre as variações são importantíssimos, pois são os momentos de maior comunicação e de acumulação progressiva da tensão, que se mantém para a variação seguinte e se conduz até o final.
133. As fugas são verdadeiros exercícios de equilíbrio e controle. Pode-se começar pianíssimo e a tempo, e cada vez que entra uma voz, pode-se subir um pouco o volume.
134. Nos prelúdios há sempre um momento de caos (rubato) antes do final.
135. Sor e Aguado acrescentavam algumas notas para completar as harmonias nas repetições. Podemos nos atrever também a tentar isso em nossas interpretações.
136. Focalizar as obras pelo ponto de vista orquestral e característico: os “solos” podem ser feitos mais rubatos e pianos.
137. Assim como é feito hoje na música flamenca, na escrita violonística de Sor é muito comum o emprego de padrões melódicos que permitam a continuidade da pestana fixa. É conveniente tê-la presente em alguns casos.

3. TÉCNICAS DE ESTUDO

138. Técnica para memorizar: começar do final da peça e ir até o início. Parece um pouco rebuscado e trivial, mas o que se almeja com isso é inverter a atitude normal do intérprete: sempre começamos no que nos é mais familiar e seguimos para o que conhecemos recentemente e está menos seguro. Ao memorizar do final até o principio, vamos tocando do menos conhecido até o mais conhecido, e com isso, ganhamos segurança.
139. Não memorizar involuntariamente, sem ter a intenção de fazê-lo, mas sim se propor a memorizar de maneira consciente e por vontade própria.
140. Ainda que dure apenas dez minutos, na primeira fase da memorização é fundamental voltar a memorizar após meia hora (reforço). A motivação também é muito importante: é preciso fixar prazos, mesmo que sejam fictícios.
141. Após ter memorizado a obra, é conveniente gravá-la e, com a partitura em mãos, dar uma aula a si mesmo, anotando os erros da gravação.
142. O cérebro pode funcionar como um gravador, e podemos aplicar esta habilidade
especialmente para depurar a mecânica. Falo em repetir bem devagar as passagens difíceis para fixar na memória o movimento correto, mas é essencial que não gravemos o movimento se o estivermos tocando errado, pois nesse caso gravamos os erros e fica muito trabalhoso corrigí-los após termos memorizado.
143. Concentração: para trabalhá-la, às vezes podemos estudar em um “ambiente
dispersante”, como em frente à TV, com alguém conversando ao lado, ou que te incomode. Se nos superarmos nessa situação, teremos melhorado nossa capacidade de concentração.
144. Tocar apenas a melodia ou apenas o acompanhamento para estudar uma peça.
145. Não estudar por mais que 50 minutos seguidos. Mudar de atividade e rapidamente voltar a estudar.
146. Planejamento para uma sessão de estudo de três horas:
– Meia hora de técnica.
– Duas horas de estudo uma peça, com um intervalo no meio.
– Meia hora para se revisar o que se sabe.
147. Durante a manhã, é melhor estudar obras novas, pois se está mais receptivo. Durante a noite, praticar “situações de concerto”.
148. A leitura á primeira vista é muito prática, pois nos permite encontrar digitações alternativas instantaneamente. Para iniciar, são muito recomendáveis os estudos de violino, pois os estudos de violão são mais difíceis para se ler com fluência em um nível básico.
149. Lendo à primeira vista, há duas regras de ouro.
“Tocar o que vê”. Não é necessário tocar todas as notas, mas não se detenha e mantenha a pulsação com precisão. “Olhe sempre de relance para o compasso seguinte, para o meio do compasso seguinte ou para o compasso á frente do que se toca.”
150. Ler devagar mas sem parar. É muito mais importante evitar paradas que cortam a continuidade do discurso musical e nos impedem de dar sentido as frases, que tentar aumentar a velocidade. Mesmo que esteja marcado “Allegro”, se dará atenção a isso após o primeiro contato com a obra, não se deve dar uma interpretação que exija uma velocidade determinada.
151. Antes de tocar uma peça em um concerto, é necessário ser capaz de escrevê-la, revisá-la mentalmente e, ainda melhor, com o violão invertido, em contato com o corpo, tocando sobre o braço do violão.

4. ATITUDE DO MÚSICO NA APRESENTAÇÃO EM PÚBLICO

152. Para combater o nervosismo temos que controlar nossa atitude. Em vez de nos deixar levar pela situação e pela responsabilidade, devemos pensar que somos como guias turísticos, que vamos conduzir o público, que vamos mostrar-lhes nossa forma de ver a música.
153. Considerar os concertos como situações que nos brindam com a oportunidade de, ao mesmo tempo que aprendemos sobre nós mesmos, ensinar aos demais.
154. Ao estudarmos, temos que fazer que a atitude física (rosto, corpo e gestos) passe a sensação de que é algo fácil, sem agressividade, pois caso contrário, fixaremos uma atitude de tensão, de dificuldade, que se prolonga para a interpretação em público.
155. Tentemos escutar a nós mesmos enquanto estamos tocando.
156. É preciso ter segurança após termos trabalhado uma interpretação. Podemos pensar: “essa é minha forma de ver esta peça, tão válida como a de qualquer outro violonista, por melhor que ele seja”.
157. Levamos muito a sério as pequenas falhas ocorridas quando estamos tocando para alguém. Não devemos achar que estamos sendo julgados a todo instante. Uma falha que cometemos já pertence ao passado.
158. Podemos cometer um erro num concerto, mas temos que saber a origem do erro. Caso contrário, adquirimos um mau hábito: esperar um acerto fortuito no concerto ante uma dificuldade que não resolvemos durante o estudo.
159. Dirigir-se sempre musicalmente para um ponto, ainda que apareçam falhas no caminho.
160. É impossível tocar um concerto sem equivocar-se. É preciso aprender e praticar a
ligação de um erro com o que vier em seguida. Se isso não se pratica como se pratica o resto, nos desconcertaremos quando ocorrer e um pequeno erro pode se tornar um erro enorme, perderemos a concentração e possivelmente ficaremos impedidos de seguir tocando.
161. Podemos praticar, em vez da habitual repetição voltando um compasso a cada vez que se erra, saltar um compasso adiante.
162. Talvez a maior causa de preocupação e nervosismo não seja um pequeno erro, mas que tenhamos um “branco”. É preciso praticar a memória formal ou estrutural e trabalhar pontos de referência para saltarmos nos casos de urgência.
163. Quando estamos um pouco nervosos: exagerar o fraseado (um pouco rubato), pois com isso, suavizaremos a tensão.
164. Um pensamento positivo para ajudar nos movimentos difíceis: “está saindo mal, mas sei que tenho recursos para supera-lo”.
165. Não percamos a paciência com nós mesmos, pois às vezes pensamos que o público não vai ficar atento num movimento lento, por exemplo, e aceleramos. Mas na maioria das vezes, o público presta mais atenção quando o intérprete está mais tranqüilo que quando ele está angustiado.


Comments

Uma resposta para “165 Conselhos de David Russell (parte 2)”

  1. Bravo! Somente disse a mais pura verdade. E o mais impressionante é teimar e querer fazer de outro jeito…

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