Sonatina Meridional

Outra peça do recital na Casa do Lago é o primeiro movimento da Sonatina Meridional, de Manuel Maria Ponce.

Essa peça me chamou muito a atenção quando estive no Seminário Vital Medeiros. Um dos alunos a apresentou na masterclass e fiquei muito animado com o sotaque de música espanhola de Ponce. Talvez a viagem inteira de volta eu tenha passado pensando no começo marcante da peça, com acordes rasgueados seguidos por duas pequenas frases em modo lídio.

Essa sonatina foi obra encomendada por Segóvia, Ponce foi um compositor “segoviano”. Um dos objetivos que o maestro tinha para fazer o futuro do violão melhor era o incentivo aos artistas atuais comporem para o instrumento, semeando o violão erudito por meio de nomes de compositores já conhecidos. Segóvia deu uma frase para Ponce compor algo para violão, e Ponce magistralmente encaixou esse motivo por toda a peça, passeando por vários tons.

Era comum que, depois de pronta, Segóvia desse alguns palpites nas novas composições. Agora eu não sei se Ponce concordava com todas as mudanças ou se as edições feitas por Segóvia foram feitas sem o seu consentimento. Ponce não era um violonista, e a escrita pra violão tem tantos segredos quanto a execução do mesmo. Geralmente, compositores não-violonistas usam uma linguagem que pode ser confusa e ineficaz para o instrumento, ou mesmo passagens impossíveis de serem realizadas. Pude comparar o manuscrito de Ponce com a edição de Segóvia, e é impressionante. Segóvia soube deixar as intenções do compositor claras, adicionou ligados ali e aqui, mudou passagens que ficariam um pouco truncadas e mudou até mesmo idéias musicais. Algumas mudanças pequenas como a alteração de um baixo por um acorde, ou a sustentação de uma nota, fazem o violão soar muito diferente, explorando o potencial que ele tem pra dar. Mas algumas coisas eu pessoalmente achei forçadas, coisas que talvez pelo ego de Segóvia, Ponce tenha sido pressionado e meio que “voluntariamente obrigado” a mudar.

É uma sonatina, ou seja, uma sonata em dimensões menores. Tem seções bem definidas, forma clara, elaborações motívicas bem feitas, motivos recorrentes permeando a peça. Ponto bastante característico dessa obra são as transições dos temas, feitas sempre em pizzicatos.

Tecnicamente, temos algumas complicações, embora não seja uma obra de caráter virtuosístico, com exceção de algumas passagens. Dessas complicações, destaque para:

  • execução plena dos rasgueados, tendo uma nota-meta na qual se quer chegar (nota mais aguda);
  • limpeza nas pequenas escalas rápidas ainda no começo da música;
  • a definição rítmica da figura colcheia-3 semicolcheias em tercinas-colcheia, que aparece em vários lugares;
  • abafamento dos baixos no tema que aparece pela primeira vez em lá maior e depois na reexposição, em ré maior;
  • definição rítmica das semicolcheias que aparecem muito em toda uma seção;
  • definição dos pizzicatos.

Musicalmente, algumas idéias a serem consideradas:

  • depois da introdução, que começa forte e com um som encorpado – contrastar o timbre, num metálico um pouco stacatto;
  • acompanhar sempre os crescendos e diminuendos escritos;
  • arredondar o timbre da escala que precede o tema;
  • tocar o tema com um timbre parecido com o do tópico número 1.

Fábio Zanon, sobre a Sonatina Meridional:

“A Sonatina Meridional é uma tentativa consciente de escrever uma obra em estilo espanhol. O pedido de Segovia foi para que Ponce “ensinasse” os espanhóis a escreverem música espanhola.
O material dela é muito espalhado. Na primeira página há várias possibilidades temáticas, cada uma delas com 3 ou 4 motivos que ele usa mais tarde no desenvolvimento. Cada um desses é dividido com digressões, fermatas, enfim, a música está toda muito pontuada. É meio como Mozart: muita vareidade, mas ao mesmo tempo muita concentração; tudo o que se mostra é utilizado, e a música nunca perde o fluxo – desde que o intérprete a deixe andar. É meio difícil mostrar tudo o que há de bonito na harmonia e nas idéias melódicas, e ao mesmo tempo deixar a música andar sozinha. Pouquíssima gente consegue isso, normalmente ela fica parecendo uma colcha de retalhos. É importantíssimo estudar as sequências harmônicas em separado, sem os temas, para se ter uma idéia mais clara da estrutura da peça sem as bonitezas que enfeitam o caminho.
O Barrueco toca isso espetacularmente, é das melhores gravações dele.”


Comments

2 respostas para “Sonatina Meridional”

  1. Olá Bruno,

    A Sonatina Meridional é excepcional e o primeiro andamento demonstra logo isso.
    Começa forte e arrebatador e tem uma melodia linda que vai sendo repetida.
    Ao tocar esta música, sinto a necessidade de interpretar com sotaque espanhol e garra.
    É uma música difícil, com umas escalas bem difíceis, posições um pouco complicadas e digitação a pensar muito bem.
    É uma peça que tenho muito gosto em tocar, aliás, toda a Sonatina é maravilhosa!

    Abraços,

    Rogério Jorge

  2. […] para completar a postagem do meu recital completo – de Manuel Ponce, o primeiro movimento da Sonatina Meridional (Campo) e o Prelúdio da Suíte nº. 2 para Alaúde [BWV 997] de Johann Sebastian […]

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