(Texto original do Dr. Noa Kageyama e Dra. Christine Carter – Why the Progress You Make in the Practice Rooms seems to Disappear Overnight. Tradução: Bruno Madeira)
Você alguma vez já se sentiu frustrado pelo fato de pegar para estudar um trecho de uma música difícil, trabalhar nele um pouco, deixá-lo soando bem, mas retornar para a sala de estudos no dia seguinte e descobrir que você está de volta na estaca zero? Que nada realmente mudou? E que não importa quão bem ele tenha ficado ontem, agora ele está tão ruim quanto antes de você o ter estudado?
A maioria de nós pode viver com “dois passos para frente, um para trás”. É o “dois passos para frente e dois passos para trás” que faz com que a gente queira arrancar os cabelos.
Então, o que devemos fazer?
Devemos manter essa prática e aprender como ser mais pacientes? Ou existe uma forma diferente de praticar que pode tornar as melhorias mais permanentes?
Conheça Christine Carter
A Dra. Christine Carter é uma clarinetista que dá aulas na Manhattan School of Music e fez sua dissertação sobre o efeito de interferência contextual – um fenômeno que pode ajudar você a fazer seu progresso diário na sala de estudos realmente ser fixado. Nesse post, ela compartilha algumas sugestões em como podemos fazer o máximo do nosso tempo de estudo.
Vai lá, Christine!
Fazendo o máximo das suas horas na sala de estudos: Uma simples mudança que pode drasticamente aumentar sua produtividade
Quando falamos de estudo, frequentemente pensamos em termos de tempo: quantas horas são necessárias para conseguir o progresso de forma ótima? Apesar dessa ser uma preocupação válida, uma questão mais importante é como podemos fazer com que cada hora conte. Qual é a maneira mais eficiente de trabalhar para que o que seja praticado hoje permaneça até amanhã? Não existe nada mais frustante do que gastar um dia de trabalho duro só para voltar no dia seguinte na linha de início. Infelizmente, nosso corrente modelo de estudo está nos direcionando para esse desapontamento diário.
Repetição, bebês e scans de cérebro
Cedo no nosso treinamento musical, nós somos ensinados sobre a importância da repetição. Quão frequentemente nos disseram para “tocar cada passagem dez vezes perfeitamente antes de seguir”? O desafio desse conselho bem-intencionado é que ele não está alinhado com o jeito que nossos cérebros trabalham. Nós somos estruturados para prestar atenção na mudança, não na repetição. Essa estrutura já pode ser observada em crianças no estágio pré-verbal. Mostre para um bebê o mesmo objeto repetidamente e ele vai gradualmente parar de prestar atenção através de um processo chamado habituação. Mude o objeto e a atenção voltará com força total. O mesmo vale para adultos. Imagens de ressonâncias magnéticas funcionais demonstraram que existe progressivamente menos ativação cerebral quando estímulos são repetidos. O fato é que informação repetida não recebe a mesma quantidade de processamento como informação nova. E em algum nível, nós todos sabemos disso. Repetição constante é entediante e nosso tédio está dizendo que nossos cérebros não estão engajados. Mas ao invés de ouvir essa instintiva voz da razão, nós nos culpamos por nossa falta de atenção e gritamos para nós mesmos “FOCO!”. Por sorte, existe uma alternativa.
Sessão de prática em bloco
No campo de psicologia do esporte, a repetição contínua discutida acima é chamada de prática em bloco. Em uma sessão de prática em bloco, todas as repetições de uma atividade são completadas antes de seguir para uma segunda atividade. Por exemplo, um jogador de beisebol que precisa arremessar quinze bolas rápidas, quinze bolas curvas e quinze bolas lentas, no treino iria completar todas as bolas rápidas antes de ir para as bolas curvas e assim por diante. Isso é o que mais lembra a maneira que a maioria dos músicos praticam, especialmente quando se trata de passagens desafiadoras. Nós trabalhamos em um excerto por uma certa quantidade de tempo e então seguimos para o próximo excerto até que todas as tarefas do dia estejam completas. Uma abordagem em bloco parece lógica. A memória muscular requer repetição, então por que não faríamos todas as repetições em seguida? Até porque, se estamos trabalhando uma passagem difícil, nos sentimos muito mais confortáveis depois que passaram 10 minutos de estudo em relação ao início. É precisamente esse sentimento de conforto e aprimoramento que reforça nossa confiança na prática em bloco. O problema com esse tipo de treinamento, porém, é que os resultados positivos que nós sentimos na sala de estudo hoje não levam ao melhor aprendizado de longo prazo amanhã. Praticar de um jeito que otimiza a performance na sala de estudos não otimiza o aprendizado.
Sessão de prática aleatória
E se pegássemos os blocos de prática em tarefas particulares e os quebrássemos em segmentos menores em cada tarefa? No exemplo do beisebol acima, os jogadores poderiam fazer os três diferentes tipos de arremessos de uma forma alternada, ao invés de fazer todos de um tipo em seguida. Duas opções de quebra são uma ordem repetida (por exemplo, abc abc abc…) ou uma ordem arbitrária (por exemplo, acb cba bca…). Em ambos, o resultado total ainda será 15 execuções de cada tipo de arremesso, exatamente o mesmo resultado da sessão de prática em bloco. A única variável que muda é a ordem na qual os arremessos são praticados. Esse tipo de segmento intercalado é chamado sessão de prática aleatória (também conhecido como sessão de prática intercalada).
Em uma sessão de prática aleatória, o músico deve se manter reiniciando tarefas diferentes. Não será tão confortável como praticar a mesma coisa repetidas vezes, porque inícios são sempre a parte mais difícil. Mas esse desafio se encontra no coração do porquê das sessões de prática aleatória serem mais efetivas. Quando nós voltamos a uma tarefa depois de uma tarefa intercalada, nosso cérebro precisa reconstruir o plano de ação para o que nós estamos prestes a fazer. E é nesse momento de reconstrução que nossos cérebros estão mais ativos. Mais atividade mental leva para maior aprendizado a longo prazo. Na sessão em bloco, os jogadores de beisebol precisam construir o plano de ação apenas uma vez para cada tipo de arremesso, no início de cada bloco. Na sessão aleatória, eles precisam construir e depois reconstruir um plano de ação quinze vezes para cada arremesso. Apesar da sessão em bloco poder produzir performances superiores durante a prática, estudo após estudo tem mostrado que uma sessão de prática aleatória produz consistentemente uma retenção superior depois da prática, um dia depois ou mais (isto é, a quantidade de fato aprendida). Esse fenômeno é chamado efeito de interferência contextual.
Quão melhor é a sessão de prática aleatória?
Acontece que o exemplo hipotético de beisebol usado acima não é hipotético. Em um estudo de 1994 conduzido por Hall, Domingues e Cavazos, foram atribuída sessões de prática em bloco ou aleatória para jogadores de beisebol de elite. Depois de doze sessões de treinamento, os jogadores de beisebol na sessão de prática aleatória acertaram 57% mais arremessos do que quando eles começaram. O grupo em bloco acertou apenas 25% mais dos arremessos, significando que a sessão de prática aleatória foi quase duas vezes mais efetiva, mesmo quando os dois grupos arremessaram o mesmo número de bolas. Resultados similares foram encontrados em uma grande variedade de campos. Mais pertinente aos nossos interesses como músicos, minha pesquisa preliminar no Brain and Mind Institute, no Canadá, fornece suporte empírico para o uso de sessões de prática aleatória em Música. Essa pesquisa não apenas sugere que uma prática aleatória é mais efetiva do que uma sessão em bloco para praticar passagens musicais, mas entrevistas com os participantes também revelam que a prática aleatória tem efeitos positivos em fatores como estabelecimento de metas e foco.
Como usar uma sessão de prática aleatória na sala de estudos
Ao invés de gastar períodos longos e ininterruptos lapidando cada excerto ou seção de uma peça, pegue algumas passagens nas quais você gostaria de trabalhar e alterne entre elas. Se você quer gastar um total de 30 minutos em um excerto particular, pratique em pedaços menores, continuamente retornando a esse excerto até que você tenha conseguido atingir sua meta de 30 minutos. Experimente com durações de tempo. Se você está praticando excertos que são muito curtos, você pode conseguir trocar entre eles em um ritmo mais rápido do que seria requirido para seções mais longas. Você pode usar um pequeno relógio para cronometrar especificamente intervalos ou trocar depois de cada repetição. Em seu nível mais básico, a prática aleatória pode parecer assim:
3 minutos: Excerto A
3 minutos: Excerto B
3 minutos: Excerto C
3 minutos: Excerto A
3 minutos: Excerto B
3 minutos: Excerto C
etc.
Praticar passagens em variações rítmicas diferentes é um ótimo jeito de introduzir interferência contextual em uma escala menor. Mas invés de fazer todas as variações rítmicas em um único excerto antes de seguir para o próximo, faça uma variação no excerto A, uma no excerto B e aí volte para o excerto A para uma segunda variação etc. Exercícios de técnica também podem ser intercalados na sessão de prática aleatória, ao invés de fazer todos os exercícios em um grande bloco. Um exemplo de uma sessão de prática aleatória mais complicada pode parecer como a seguinte:
2 minutos: Notas longas, escalas, notas longas, escala…
3 minutos: Excerto A (usando a primeira variação rítmica)
2 minutos: Progressão em terças, arpejos, progressão em terças, arpejos…
3 minutos: Excerto B (usando a primeira variação rítmica)
2 minutos: Notas longas, escalas, notas longas, escala…
3 minutos: Excerto A (usando a segunda variação rítmica)
2 minutos: Progressão em terças, arpejos, progressão em terças, arpejos…
3 minutos: Excerto B (usando a segunda variação rítmica)
Etc.
As permutações são infinitas e a divisão exata do tempo não é importante. O que é crucial é que você está mantendo seu cérebro engajado pela variação do material. Mais engajamento significa que você ficará menos entediado, mais orientado a uma meta (você tem que estar, se você só tem 3 minutos para fazer alguma coisa), e substancialmente mais produtivo. E o mais importante, quando você voltar para a sala de estudos no dia seguinte, você pode começar de onde parou. Esse tipo de prática fica.
Recursos adicionais
Dr. Robert Bjork, sobre os benefícios da prática intercalada em Go Cognitive (vídeo de 6 minutos, em inglês)
Sobre a dra. Christine Carter
A dra. Christine Carter é interessada em relação a como músicos podem ser mais efetivos no palco e na sala de estudos. Ela conduziu pesquisas em vários laboratórios de imagens cerebrais e de psicologia da música, e é atualmente professora visitante no Brain and Mind Institute da Western University.
Christine é também uma clarinetista ativa. A música já a levou ao redor do mundo, incluindo lugares tão diferentes como o Carnegie Hall, antigos mosteiros de Avignon, a Sydney Opera House, o Heritage Theatre em Newfoundland e até um palácio barroco no sul da Alemanha. Completou seu doutorado em Musical Arts na Manhattan School of Music, onde ela agora ensina no laboratório de madeiras.
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