A prática mental funciona?

(Texto original do Dr. Noa Kageyama – Does Mental Practice Work? Tradução: Bruno Madeira)

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É dito que os legendários pianistas Rubinstein e Horowitz não eram muito afeiçoados à prática. Rubinstein simplesmente não gostava de praticar por horas a fio, enquanto Horowitz supostamente temia que praticar em pianos diferentes do seu próprio afetaria negativamente seu toque. A solução deles? Uma dose saudável de prática mental.

Embora muitos de nós possamos nunca ser legendários, a prática mental é algo que pode beneficiar absolutamente todos os músicos, independentemente do nível de proficiência.

Você tem um concerto em breve, não está preparado para ele, mas está muito cansado para praticar? Quer praticar, mas não pode, por causa de uma tendinite ou uma gripe? As salas de estudo estão cheias? O instrumento está em manutenção? É muito cedo ou muito tarde para praticar? Só tem 15 minutos, então não vale a pena tirar seu instrumento do armário, achar uma sala de estudos e se acomodar, só pra ter poucos minutos depois?

Soa familiar?

É claro, mas só se imaginar tocando não pode ser o mesmo do que a prática física real, certo?

Você está certo. Não é o mesmo, mas a partir de estudos feitos com atletas, nós sabemos que indivíduos bem-sucedidos tendem a se engajar em ensaios mentais de forma mais sistemática e extensa do que indivíduos de menos sucesso. Sim, eu sei que existem algumas diferenças entre atletas e músicos – mas não tantas quanto você pode achar quando se trata do aspecto mental da performance.

Além disso, pesquisadores estão achando mais evidências neurológicas e psicológicas para dar suporte ao que atletas de ponta como o grande jogador de basquete Larry Bird, o mergulhador olímpico Greg Louganis e o golfista Tiger Woods sabem há anos – que a prática mental produz mudanças reais e aprimoramentos tangíveis na performance. Em um estudo, participantes que praticaram mentalmente uma sequência de 5 dedos em um piano imaginário por duas horas por dia tiveram as mesmas mudanças neurológicas (e redução de erros) do que participantes que praticaram fisicamente a mesma passagem em um piano real. Alguns sugeriram que a prática mental ativa as mesmas regiões do cérebro que a prática física ativa, e pode até levar às mesmas mudanças na estrutura neural e conectividade sináptica.

Em outras palavras, existem crescentes evidências que a prática mental (se feita corretamente), pode absolutamente fazer diferença no seu tocar.

Minha experiência com prática mental

Eu me lembro de quando tinha 4 ou 5 anos: minha mãe me punha para tirar uma soneca antes de performances e dizia para eu deitar silenciosamente no meu quarto imaginando minha performance nota por nota. Eu achava isso bobo na época, mas isso ficou e se tornou parte do que eu fiz.

Descobri anos depois que esse hábito de prática mental contribuiu para o desenvolvimento da minha reputação de não estudar na universidade, porque eu passava pouco tempo nas salas de estudo. A reputação era verdadeira – eu praticava talvez umas duas horas por dia no máximo, e normalmente até menos nos finais de semana. Eu fiquei sabendo que outro violinista da turma perguntou à nossa professora como eu podia tocar tão bem, apesar de praticar tão pouco. Ela lhe disse que a maioria da minha prática acontecia na minha cabeça, então eu não precisava gastar tanto tempo na sala de estudo. Eu não sei como ela sabia disso, mas ela estava certa. Vez ou outra durante o dia, quando eu estava indo para a aula, comendo ou só sentado por aí, eu frequentemente me encontrava ouvindo as músicas nas quais eu estava trabalhando, vendo e sentindo meus dedos tocarem as notas, testando digitações ou arcadas diferentes, experimentando deslocamentos e pressões de dedos, corrigindo erros, tudo na minha cabeça. No fim do dia, eu gastava uma hora ou duas passando as coisas que eu já havia trabalhado no dia inteiro, e era só.

Honestamente, eu realmente deveria ter praticado mais, então eu não posso apoiar a ideia de tentar se safar praticando só uma hora ou duas por dia (embora você possa querer ler esse artigo sobre como praticar de forma mais eficiente). Eu também não posso prometer que você soará como um Rubinstein ou Horowitz se você se engajar mais em ensaios mentais, mas eu sei que se você não fizer isso, você estará perdendo uma ferramenta incrível para melhorar seu jeito de tocar.

Pontos importantes para a prática mental

A literatura psicológica sobre ensaio mental sugere que existem dois pontos principais para se prestar atenção quando se ensaia mentalmente – que esse ensaio seja sistemático e vívido. Em outras palavras, a prática mental não é a mesma coisa que sonhar acordado, do mesmo jeito que praticar no piloto automático não ajuda muito. Para ser eficaz, ela precisa ser estruturada assim como a prática no instrumento, com auto-avaliação, solução de problemas e correção de erros.

Algumas guias para o ensaio mental

Aqui estão algumas ideias sobre como começar.

1. Acalme-se

Feche seu olhos. Foque apenas na sua respiração por um minuto. Inspire devagar e completamente pelo seu nariz e expire devagar pela sua boca. Então faça um exame completo de tensão no seu corpo: cheque sua cabeça e músculos faciais, sua mandíbula, pescoço, ombros, braços, pulsos, mãos, costas, quadris, pernas, tornozelos e até dedos do pé. Deixe toda tensão que você encontrar se derreter.

2. Expanda seu foco

Pode ser em qualquer coisa – seu instrumento, a estante na sua sala de estudo, uma parede específica. Veja essa coisa na sua cabeça. No começo, ela pode não ter muito detalhe, ou você pode ter problemas para trazê-la para o foco. Tudo bem, seu objetivo é pegar algo pequeno e tornar mais vívido, e começar a expandir essa vividez no resto de seu ambiente imaginado. Você ficará melhor com a prática.

3. Faça aquecimento

Imagine-se tocando escalas ou aquecendo com algo fácil. Você consegue se escutar? Exatamente como soa? O que você sente? Você pode sentir seus dedos, seus braços, ombros, pulmões, gargantas etc.? Veja quão vividamente você pode se lembrar mentalmente dos elementos cinestésicos envolvidos quando você toca seu instrumento.

4. Imagine

Veja, sinta e ouça você começando a tocar. Concentre nos movimentos que produzem os sons e efeitos que você quer enquanto você passa pela música na sua cabeça, nota por nota, frase por frase. Continue “tocando” até que você erre ou sinta a necessidade de corrigir o jeito que alguma coisa soou.

5. Controle seu filme

Quando você se “escutar” ou se “ver” tocando alguma coisa que não soa como você quer, imediatamente pause o seu filme mental. Volte para um lugar antes do erro. Comece desse ponto, indo vagarosamente para frente, em uma velocidade que você possa controlar. Repita esse processo várias vezes, assim como você faria na prática real, até que você esteja fazendo corretamente na velocidade desejada. Não fique voltando e tentando novamente sem pensar – assegure-se de apertar o pause, pensar sobre o porquê do erro ter ocorrido, apertar o play, tentar novamente e então seguir em frente quando você estiver satisfeito por ter resolvido o problema e tiver entendido por que o erro aconteceu na primeira vez.

6. Mantenha real

É importante fazer as experiências tão vívidas e reais quanto você puder – sinta o instrumento nos seus dedos, mãos, lábios. Realmente ouça o som, as texturas, o volume. Veja a sala ao seu redor e o instrumento que você está tocando.

Sugestões adicionais

Quando você for usar essa técnica, divida a peça em segmentos pequenos, como frases ou seções curtas. Você não precisa sempre tocar do começo ao fim.

Tente se visualizar em lugares diferentes, usando roupas diferentes e em diferentes condições.

Quando você sentir que pegou o jeito da prática mental, tente se testar. Grave-se tocando um trecho, examine e dê uma nota para sua performance, e então faça uma série de ensaios mentais desse trecho tomando nota do que você percebe. Então toque novamente, examine e dê uma nota para sua performance, tomando nota do que mudou.

Uma vez que você fizer da prática mental sistemática uma parte da sua rotina de estudos diários, eu estou certo que em breve você imaginará como é que fazia sem ela.


Comments

5 respostas para “A prática mental funciona?”

  1. É um super exercício. Já tive tendinite e fiquei um ano sem tocar. Durante esse tempo eu me imaginava tocando. Quando voltei parecia nunca ter parado.

  2. Legal o seu depoimento, Bluyus! Nos períodos que passei sem tocar (nunca tão longos quanto o seu) não estudei mentalmente de forma sistemática, então quando eu voltei pro instrumento senti diferença em relação a quando estava em forma.

    Minha opinião pessoal sobre o estudo mental é de que ele pode contribuir muito para o estudo em geral, mas nosso físico ainda precisa de estímulos. Estímulos para se manter em forma, para ter a força, agilidade, resistência e consistência para executar uma atividade que exige a coordenação motora extremamente fina.

    Outra coisa interessante de ser notada é que talvez possa ter parecido que você nunca parou enquanto ficou sem tocar o violão, mas talvez você também possa não ter ido adiante usando apenas o estudo mental. Isso porque uma parte das descobertas que fazemos nós percebemos com o teste empírico de possibilidades, com o instrumento em mãos. Avaliamos a resposta que o instrumento dá para um toque de um jeito, mudamos o toque, avaliamos a nova resposta etc. O estudo mental é uma ferramenta para usarmos junto com outras no processo de estudo. É como o que o autor do texto diz que fazia, ele estudava mentalmente o dia inteiro, mas não ficava só nisso: à noite testava as possibilidades, avaliando o que funcionava e o que não funcionava.

  3. tem como você dizer o artigo sobre o experimento em que a pessoa tocou piano mentalmente por duas horas e houve mudanças neurológicas? abraço

  4. Olá, music. Infelizmente eu não tenho essa fonte, o artigo foi traduzido do site The Bulletproof Musician – http://www.bulletproofmusician.com/does-mental-practice-work/. Recomendo que entre em contato com o autor desse site (Noa Kageyama) para tentar obter essa informação.

    Abraço,
    Bruno

  5. Avatar de Leonardo Zegur
    Leonardo Zegur

    Já tinha conhecimento desse experimento do piano, achei muito bacana você trazer isso e desenvolver esse texto falando a respeito. Parabéns

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