Quando erros são bons: uma estratégia estranha para consertar hábitos ruins

(Texto original do Dr. Noa Kageyama – When Mistakes Are Good: A Counterintuitive Strategy for Rapidly Fixing Bad Habits in Our Technique. Tradução: Bruno Madeira)

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Todos nós temos hábitos. Alguns bons, como comer coisas saudáveis, exercitar-se regularmente e espremer a pasta de dente a partir do fim do tubo. E outros não tão bons, como pular o café-da-manhã, se sentar com a coluna torta e deixar toalhas molhadas no chão.

Não é diferente quando se trata de música – todos nós temos vários hábitos de técnica bons e ruins. Aqueles bicho-papões contra os quais lutamos para nos livrar, mas que ficam ao redor como um gato de rua que uma vez nós cometemos o erro de alimentar.

A abordagem tradicional é tentar ensinar nossos alunos (e nós mesmos) como fazer as coisas da forma correta. Manter o reforço dos movimentos técnicos corretos e esperar que eventualmente as coisas boas permaneçam.

Mas mudar hábitos ruins parece levar uma eternidade e eles têm uma tendência de se esconder e ficar dormentes até o pior momento possível – como no meio de uma performance.

Pesquisas recentes sugerem que pode haver um jeito melhor. Uma maneira mais eficaz e rápida de corrigir permanentemente questões técnicas, reduzindo nosso tempo de aprendizado e melhorando a eficácia do nosso ensino.

É, eu sei. Isso tudo soa muito bom pra ser verdade. Mas vamos dar uma olhada.

O jeito tradicional

Os métodos de ensino tradicionais envolvem o fornecimento de um feedback externo – normalmente dizendo a um estudante o que fazer ou o que não fazer (i.e. instrução/feedback verbal) ou mostrando a um estudante o que fazer ou o que não fazer (i.e. demonstração/feedback visual).

O problema, é claro, é que esse pode ser um processo dolorosamente lento. Corrigir repetidamente um “erro” aprendido pode ser desmotivante e frustrante tanto para o estudante quanto para o professor.

Pode ser tentador concluir que o estudante é incorrigível e não tem aquilo que é necessário para aprender, mas na verdade, a presença do erro persistente é um sinal de que o aprendizado ocorreu. Infelizmente, eles aprenderam inadvertidamente o jeito “errado” muito, mas muito bem!

Em situações como essa, eu tive um professor que ocasionalmente invertia os papeis comigo, demonstrando o que eu estava fazendo e me pedindo para ser o professor por um momento. Isso era sempre desconfortável para mim, mas era uma maneira que ajudava a ver o que não fazer.

Essa nova estratégia pega essa ideia e a aumenta em alguns níveis.

Aprendendo a saltar em distância

Pesquisadores na Universidade de Verona conduziram um estudo com trinta adolescentes de 13 anos que estavam aprendendo a fazer um salto em distância parado (como o do vídeo abaixo), em três sessões espalhadas por um período de três semanas.

Sessão 1

O principal objetivo da primeira sessão foi simplesmente medir suas performances iniciais. Então eles não receberam muitas instruções, só a de que eles deveriam tentar pular tão longe quanto pudessem e que eles poderiam balançar os dois braços ao mesmo tempo e pular com os dois pés para maximizar a distância.

Foram dadas três chances para saltar e o resultado final foi a média entre os três saltos.

Sessão 2

Antes da segunda sessão, os adolescentes foram divididos em três grupos – um grupo para receber instruções usando o método experimental de ensino chamado “Método de Amplificação do Erro” (MAE), outro para receber o método tradicional de instrução verbal (Instrução Direta) e o terceiro grupo para não receber nenhuma instrução, mas para praticar do jeito que quisessem (grupo de controle).

Cada sessão de treinamento consistiu de 6 saltos, depois dos quais foi pedido para que os alunos não praticassem o salto até que eles retornassem para um teste final na semana seguinte.

Sessão 3

Uma semana depois (para ver quão bem o treino “permaneceria”), os estudantes voltaram e cada um deu três saltos, com a média entre eles sendo o resultado final.

Como eles foram?

Os estudantes que não receberam nenhuma instrução não melhoraram no decorrer das três sessões (158.9cm contra 160.6cm). Sem surpresas aqui.

Por outro lado, os estudantes que receberam instruções e feedbacks verbais exibiram uma melhora estatisticamente significante no decorrer das três semanas (159.4cm contra 162.3cm – um ganho de 2.9cm).

Uma melhora de 2.9cm não é tão ruim… Mas não chegou aos pés da marca que as crianças no método experimental tiveram.

Os estudantes que foram instruídos com o Método de Amplificação do Erro melhoraram uma média de 20.4cm (159.5cm contra 179.9cm). Isso é um aumento de quase 7 vezes!

Espera, o quê?!

Antes de olharmos no protocolo do MAE, aqui está o que foi a Instrução Direta:

Baseado em quaisquer erros, enganos ou ineficiências na técnica de salto que o estudante demonstrasse na primeira sessão, o instrutor identificava o erro principal mais responsável por causar uma performance ruim e dizia como regular sua técnica para melhores resultados. Por exemplo: “Salte estendendo completamente as pernas e tronco antes de sair do chão”.

Então o estudante saltava uma vez para praticar essa nova informação prescrita.

Depois, o estudante ganhava um salto livre para experimentar como quisesse, sem instruções.

Depois do salto livre, o instrutor provia algum feedback adicional para o estudante sobre o que ele fez de errado na sua tentativa mais recente e repetia o que ele precisava mudar para melhorar sua técnica e se sair melhor na próxima vez.

Esse padrão foi repetido três vezes, em um total de 6 saltos – i.e., feedback+salto, salto livre, feedback+salto, salto livre, feedback+salto, salto livre – e então a sessão acabava.

Na superfície, o treinamento do Método de Amplificação do Erro não foi muito diferente. A única diferença foi que ao invés de ser instruído para saltar com a técnica correta, foi pedido para que o estudante saltasse exagerando quanto mais fosse possível o erro principal que o instrutor identificou.

O salto livre dos estudantes foi então usado para medir quão eficazmente o estudante entendeu a natureza do seu erro, porque se o salto livre parecesse com o salto do erro exagerado, o instrutor saberia que ele não identificou verdadeiramente o erro principal, ou o estudante não estava entendendo bem.

Des-aprendizagem contra reensino

Parece totalmente contra-intuitivo praticar fazendo alguma coisa exatamente da maneira errada, mas a ideia é que isso aprofunda nosso entendimento do que não fazer e inicia uma busca interna pela maneira correta de fazer algo. Novamente, erros consistentes não são um sinal de que nós não aprendemos, mas que aprendemos… como fazer do jeito errado consistente e automaticamente! Como os autores sugerem, esse método é mais uma estratégia de des-aprendizagem do que de reensino.

Afinal, fica cansativo dizer a mesma coisa de novo e de novo (e ouvir a mesma coisa de novo e de novo) e não ver mudanças. Essa estratégia tem o benefício de colocar o estudante mais no assento do motorista e ajudá-lo a se tornar mais capaz de procurar internamente e encontrar um padrão de movimentos mais otimizado.

É claro que iniciantes aprendendo a saltar em distância é bem diferente do que um músico de nível avançado tentando resolver um movimento mais intricado ou complexo, e que os autores reconhecem que há mais pesquisa nessa área ainda por fazer. Apesar disso, existem outros pesquisadores que encontraram resultados similares em esportes, indo do golfe (N.T.: infelizmente com o link quebrado. O artigo se chama “Learning By Mistakes: How the Amplification of Errors Can Improve Ability” e consta o e-mail “aw arroba pgae.com” para a solicitação do artigo completo) para a natação e atletismo, então essa parece uma abordagem promissora!

Tome uma atitude

Você já usou esse tipo de abordagem no seu método de ensino e na sua prática?

Se você pretende experimentar isso, por favor, leia o artigo completo, no link abaixo. Na seção “Discussão” são apresentadas algumas guias gerais que precisam ser entendidas para que se use essa técnica corretamente.

“Amplification of Error”: A Rapidly Effective Method for Motor Performance Improvement


Comments

Uma resposta para “Quando erros são bons: uma estratégia estranha para consertar hábitos ruins”

  1. […] #8: Quando erros são bons: uma estratégia estranha para consertar hábitos ruins […]

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